Saudade da hipocrisia

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Uma das marcas mais tenebrosas dos dias atuais é a falta de bom senso que tem contaminado pessoas de todas as idades, culturas e classes sociais. O vício de se expor sem qualquer tipo de pudor ou restrição se tornou uma epidemia em escala global.

Todo ser humano, por exemplo, em algum momento da vida é acometido de imensa vontade de matar alguém, mas ninguém precisa saber que tais sujidades orbitam nossa mente. Depravações sexuais também são comuns a todo ente humano e a variedade de fetiches, fantasias e bizarrices é infinita em nossas mentes. Mas, felizmente, em nome da convivência social sadia, os seres humanos sempre criaram meios de inibir, restringir e conter sua devassidão aos estreitos limites da intimidade e da privacidade. Até então, era cultivada a virtude da autocontenção, que era fruto da consciência de que o caos é algo a ser sempre evitado no convívio social.

Que a natureza humana é de extrema complexidade e abriga toda sorte de maldade e depravação é um fato incontestável. Apenas os ingênuos e os lunáticos são capazes de acreditar em que os seres humanos sejam dotados de uma natureza originariamente boa e propensa apenas a feitos gloriosos. Apenas uns cinco minutos de exposição às principais notícias dos jornais tornam possível descortinar a face mais real e cruel da natureza humana do que qualquer compêndio de filosofia.

Mas os tempos mudaram rápido, infelizmente.

Em nome do “culto à espontaneidade”, e na militância contra o que chamam de “hipocrisia”, o universo cultural e as mídias sociais têm nos incentivado a expor o que há de mais sujo e depravado na natureza humana. Expor a devassidão que se abriga nas profundezas das mentes não é mais privilégio da classe artística. A intelectualidade, as autoridades e até juristas de renome estão aderindo a este culto sem qualquer restrição ou inibição.

E assim, chegamos aos tenebrosos dias em que a virtude se tornou um vício e o vício se tornou uma virtude. Em nome do combate à hipocrisia, esqueceram-se da vital importância da autocontenção. A implantação do caos é, então, mera consequência e nada mais. Ai que saudade da virtuosa e salutar “hipocrisia”, que tanto nos privava do fedor do lixo alheio como impedia os outros de sentir o fedor do nosso próprio lixo!

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