Meu antidepressivo, meu anjo da guarda

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Neste mundo de transformações cada vez mais rápidas, uma das vantagens, ou não, de estar na meia idade é a oportunidade de ter vivenciado extremas mudanças culturais e sociais em um curto espaço de tempo. O homem moderno de meia idade viveu e viu a mais transformações globais do que um octogenário medieval, embora octogenários no mundo medieval fosse coisa muito rara.

A forma de se encarar o uso e o abuso de antidepressivos é, por exemplo, uma das transformações bastante emblemáticas do mundo moderno. Eu ainda me lembro bem do tempo em que usar este tipo de droga era um verdadeiro tabu. Coisa rara era encontrar alguém que admitisse estar fazendo uso rotineiro de medicação controlada. Até entre os membros de uma mesma família havia a inibição e o constrangimento em admitir estar sob efeito de antidepressivos. A busca de drogas legais para promover alterações químicas no cérebro, apenas se justificava em casos realmente muito graves. Inclusive os médicos, eram bem mais criteriosos na prescrição de certas substâncias.

Naqueles tempos, a maioria das pessoas ainda valorizava e entendia a importância e a obrigação pessoal de assumir responsabilidades pelas próprias escolhas, ações e suas inevitáveis consequências. Administrar as próprias finanças, escolher bons relacionamentos e comportar-se civilizadamente eram consideradas condutas inerentes à condição humana e não como fatalidades inevitáveis do destino. Estar sempre alegre, sorridente e bem humorado não era uma obrigação social doentia como hoje.

Porém, o tempo cavalgou rápido demais. As mudanças culturais no comportamento foram se impondo e se alastrando até sufocar completamente o senso comum até então vigente. O vitimismo alçou status de virtude cultural sublime. A parceria entre a indústria farmacêutica e a medicina se consolidou. E assim, chegamos ao virtuoso século XXI. A era dos robôs humanos e dos humanos robôs. Onde a alegação de estar sob o efeito – ou controle – de antidepressivos é a introdução preferida para se abrir portas e corações em qualquer ambiente. É a cartada decisiva no truco da vida. Basta lançar a cartada sobre a mesa, gritar bem alto e chorar copiosamente. Pronto! O jogo está vencido!

A fuga das responsabilidades pessoais se tornou a diversão preferida entre os adolescentes, período da vida que hoje chega quase aos 30 anos e, em não poucos casos, pode ir facilmente até os cinquenta anos. O mundo ocidental está assim se tornando um verdadeiro berçário para adultos. Se a mamadeira quentinha atrasar, o choro não tarda a começar.

Ainda bem que temos sempre conosco a nossa caixinha milagrosa de pílulas mágicas, nossos verdadeiros anjos da guarda neste turbulento mundo de transformações galopantes!

Acho que já escrevi demais. E acabei passando da hora de tomar o meu remédio!

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