“Aqui trabalhamos com a luta entre a vida e a morte e estamos sempre procurando o resultado positivo, que é a vida. Em todo esse tempo, tive muitas alegrias e também tristezas, mas o que carrego comigo é que ajudamos muitas pessoas e nosso dia a dia é voar para salvar”. Assim o tenente coronel Peterson José Paiva Monteiro resume os quase 12 anos de atuação do Suporte Aéreo Avançado de Vida (Saav).
O serviço, oferecido pelo Governo de Minas, é fruto de parceria entre a Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG), o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), o Comando de Aviação do Estado (Comave) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), por meio dos Consórcios Regionais de Saúde. O Saav tem como diretrizes a redução do tempo de resposta aos chamados, a agilidade para acesso aos serviços de saúde e a humanização do contato e do atendimento em qualquer parte do estado.
“Nos orgulhamos muito do que fazemos. Somos os maiores operadores aeromédicos do SUS no Brasil e conseguimos colocar Minas Gerais num patamar não existente no país. Isso demonstra o quanto temos retornado para a sociedade e todo o investimento que a SES-MG e o Corpo de Bombeiros fazem para manter essas aeronaves trabalhando”, comemora o tenente coronel Peterson.
Ele é comandante do Batalhão de Operações Aéreas (BOA), que começou a atuar em 2006 e, desde 2012, viabiliza os transportes inter-hospitalares, por meio do Saav.
Desde o início das operações, foram registradas mais de 19 mil horas de voo, com 7.780 pacientes transportados e 9.249 atendimentos. Em 2023, foram 1.227 atendimentos e 963 transportes. A frota conta com cinco helicópteros e dois aviões que operam em quatro bases, localizadas em Belo Horizonte, Montes Claros, Varginha e Uberaba, para otimizar a resposta aos chamados.
A previsão é que mais quatro aeronaves sejam entregues neste ano e outras duas bases sejam inauguradas na região Leste do estado e na Zona da Mata mineira. As bases contam com pilotos, tripulantes operacionais, médicos, enfermeiros, mecânicos e técnicos de apoio de solo, que cuidam do abastecimento dos aviões e helicópteros.
“Estamos investindo muito na expansão do transporte de urgência e emergência no estado para que os pacientes rapidamente sejam socorridos e transferidos. Seja por via terrestre ou aérea, essa velocidade é primordial para salvar muitas vidas”, ressalta o secretário de Estado de Saúde, Fábio Baccheretti.
“Até o final de 2024, teremos uma cobertura de 100% do Samu em Minas Gerais e, com as novas aeronaves, que devemos receber já nos próximos meses, vamos criar as bases do Saav em Governador Valadares e Juiz de Fora, alcançando todo o estado com a cobertura área do serviço, o que vai garantir um tempo de resposta muito menor”, anuncia o secretário.
Ele destaca ainda que Minas Gerais é uma referência para todo o país, inclusive apoiando outros estados no transporte de pacientes e órgãos para transplantes.
Ana Elisa Machado da Fonseca, coordenadora de Atenção às Urgências e Emergências da SES-MG, explica a atuação em parceria. “A SES-MG é responsável por financiar as aeronaves, o Corpo de Bombeiros disponibiliza o espaço físico, pilotos e toda a condução aérea, e os consórcios de saúde cedem os profissionais do Samu que atuam na gestão e regulação dos atendimentos”, detalha ela.
“O serviço aéreo garante um tempo resposta menor que 30 minutos a toda a população do estado, alcançando rapidamente locais de difícil acesso e dando o atendimento imediato a toda a população mineira, por meio da priorização dos casos de acordo com a gravidade”, evidencia a coordenadora.
As principais portas de entrada para o atendimento pela equipe do Saav são o sistema SUSFácil de regulação estadual de pacientes, onde chegam as demandas de transporte inter-hospitalar ou interestadual de urgência e transferências de pacientes graves; as chamadas feitas para os bombeiros pelo telefone 193, ou para o Samu, pelo 192; ou, ainda, o emprego por iniciativa própria do grupamento, quando tomam conhecimento de alguma ocorrência que precisa de atendimento rápido, como em desastres ou acidentes.
De acordo com o coronel Alexandre Gomes Rodrigues, que ingressou na carreira militar em 1995 e participou da primeira turma de pilotos do BOA, o maior desafio é não se envolver emocionalmente para que tudo seja executado de maneira ágil e em segurança.
“A gente lida com tragédias, como a que aconteceu em Brumadinho e a pandemia da covid, que foram sem precedentes, além de termos as situações do dia a dia, com o transporte dos pacientes em estado grave, principalmente recém-nascidos. Tem dias que transportamos dois, três pacientes ou quantos forem necessários. Mas precisamos nos ater à parte da frente da aeronave e deixar a equipe médica atuar, garantindo sempre um voo seguro e a melhor conclusão do trabalho”.
“Nesses 29 anos, o que mais me marcou foram os atendimentos durante a pandemia de covid. Tivemos casos de municípios em que quase todos os habitantes se contaminaram e a gente via a gravidade e a impotência dos profissionais e dos equipamentos, porque muitas vezes não tinha o que fazer. Cada pouso que a gente faz para entregar o paciente no hospital ou no centro de referência em saúde e esse paciente é atendido e se recupera, é muito gratificante, tanto para nós do Corpo de Bombeiros, quanto para os profissionais do Samu”, destaca o coronel.
Para o tenente coronel Peterson, o trabalho exige foco, disciplina e concentração. “Nos deparamos com vários cenários e, se deixarmos a emoção tomar conta, corremos o risco de ir para um atendimento deixando a segurança em segundo plano, o que pode culminar em um acidente. Fazemos um atendimento humanizado, mas com frieza, para saber até onde podemos ir”, ressalta.
O comandante do BOA recorda ainda a tragédia de Brumadinho e conta que todos da equipe foram mobilizados e se empenham, até hoje, para encontrar os corpos das vítimas. “Recebemos uma ligação informando que a barragem tinha estourado e havia centenas de vítimas. Tínhamos que entrar na cena, mas havia lama descendo e precisávamos cuidar da segurança dos nossos. Aquela foi uma situação de carga emocional enorme. Eu estive lá, desde o começo, junto com outros colegas. Resgatávamos pessoas com vida e corpos, eram muitas emoções. Orgulhosamente, eu digo que o Corpo de Bombeiros ainda está presente em Brumadinho até hoje, quase cinco anos depois da tragédia, empenhados em encontrar até a última vítima”, relata.
Arcanjos
A palavra arcanjo significa anjo principal, que atua como mensageiro em missões especiais. Segundo o tenente coronel Peterson, quando o BOA foi criado, era necessário dar um nome às aeronaves e Arcanjo foi o escolhido para simbolizar a proteção às pessoas e a missão cotidiana do grupamento.
“Tivemos a inspiração deste nome que é um anjo que leva bondade e protege. Na nossa missão, chegamos para levar esperança quando tem angústia e escuridão. O nome foi tão inspirador que o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina o adotou para uma das aeronaves de lá em homenagem a Minas Gerais, depois que auxiliamos, em 2008, no atendimento de uma grande tragédia no Vale do Itajaí”, conta.
Ao todo, são 11 Arcanjos, mas alguns deles não atuam mais em missões, devido ao tempo de utilização ou porque foram retirados da operação. O último a chegar para compor a frota é o um avião grand caravan, utilizado para diversas missões. Na aeronave, é possível montar uma UTI aérea para dar assistência à população e realizar o transporte para qualquer região do Brasil.
Cuidado que salva
Mateus Caldeira Barbosa é médico e atua no Consórcio Intermunicipal de Saúde da Região Ampliada Oeste (Cisurg) há três anos. Ele já trabalhou no Samu e sempre teve o sonho de fazer resgates aéreos. A equipe de Mateus levou, nos últimos dias, uma criança de Montes Claros, no Norte de Minas, para se submeter a uma cirurgia cardíaca na capital mineira.
“Acabamos de chegar com uma recém-nascida de seis dias com cardiopatia congênita. Durante o voo, tomamos todos os cuidados para manter a medicação de forma contínua, mantivemos ela aquecida, protegemos o ouvido e a deixamos sempre próxima da mãe, para que ficasse o mais tranquila e confortável possível”, explica.
“Trabalhava no Samu e acompanhava as ocorrências dos bombeiros com o helicóptero descendo no meio de rodovia, fazendo tudo aquilo que a gente fazia na rua. Corri atrás e fiz cursos na área de resgate e transporte aéreo, porque precisamos entender também da fisiologia do voo e as alterações que o próprio transporte causa no paciente para sabermos como agir. Esse é um sonho que eu venho realizando há três anos e é muito gratificante”, completa o médico.
Em 13/12/2023, a equipe do Saav auxiliou o Governo do Estado do Rio Grande do Norte com o transporte de uma paciente de 18 anos que precisava fazer transplante de fígado no estado do Ceará. A articulação foi feita pela Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) em parceria com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). De acordo com a secretária de Estado de Saúde do Rio Grande do Norte, Lyane Ramalho, a cirurgia foi feita no mesmo dia e a paciente já está com a saúde restabelecida.
“Agradecemos ao Governo de Minas por todo o empenho e auxílio com o transporte de uma paciente nossa para fazer um transplante de fígado. Esse foi um gesto grandioso e, para nós, representa a força do SUS. Juntos, conseguimos avançar mais rápido e atuar para salvar as vidas dos nossos cidadãos”, agradeceu a secretária.