Segurança e infraestrutura. Estas foram as principais demandas levadas por coletivos e movimentos que promovem o ciclismo em BH, durante audiência pública realizada na manhã da última quarta-feira (20/9), na Comissão de Educação, Ciência, Tecnologia, Cultura, Desporto, Lazer e Turismo da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
O encontro, que reuniu representantes dos principais grupos que circulam de pedal pela cidade, debateu as dificuldades no incentivo ao uso da bike, seja como opção de lazer ou meio de transporte. Entre os maiores desafios, foram apontadas questões como a falta de manutenção e a insuficiência das ciclovias e ciclofaixas, além do desrespeito às regras de trânsito por parte dos motoristas.
Representante da Superintendência de Mobilidade de Belo Horizonte (Sumob), Eveline Prado Trevisan falou de avanços na implementação de ciclovias nas avenidas Afonso Pena e Getúlio Vargas e reconheceu a necessidade de se consolidar a cultura do uso da bicicleta na cidade. Cida Falabella (Psol), requerente da audiência, destacou a necessidade de avanços e disse que novos encontros devem ser realizados para aprofundar a discussão sobre o tema.
Educação, empatia e segurança
Alcançar novos territórios e quebrar a lógica do transporte coletivo que só leva de um ponto a outro foi o que fez Joca Corcino adotar a bicicleta para se deslocar na cidade. O carioca e fundador do Bloco da Bicicletinha, que reúne foliões na quinta-feira antes do sábado de Carnaval, contou que só depois que começou a andar de bicicleta é que conheceu BH de verdade, mas que ainda vê muita hostilidade no trânsito e atitudes agressivas em relação aos ciclistas.
“As pessoas não sabem a diferença entre ciclovia e ciclofaixa. É preciso ensinar mais. BH é um terreno árido para o ciclista. Com o ‘boom’ dos aplicativos, não houve instrução para os motoristas. Condutores de ônibus acham que nós estamos atrapalhando, e não existindo. Nosso objetivo é que as pessoas possam acessar parques e outros espaços de lazer com suas bicicletas. Então precisamos de rotas seguras”, avaliou.
Ana Coan, co-fundadora da BH Fixed, coletivo que incentiva a bicicleta fixa, também vê na falta de segurança um fato que desmotiva novas adesões à bicicleta. Ela defende que o poder público promova sensibilizações sobre o assunto. “BH é uma capital pensada para o carro.
É preciso então uma consciência maior das pessoas sobre a bicicleta. É preciso entender que em cima de uma bicicleta vai uma vida. É um pai, uma mãe, um irmão que precisa voltar para a casa em segurança”, afirmou.
Segundo a doutoranda em filosofia, entretanto, para que essa cultura se consolide, não é preciso que se crie novas legislações, mas que seja cumprido o que já existe, como a Lei Estadual 21.705/2015 que criou o ‘Dia Sem Carros’.
“Ela tem cinco objetivos, dentre eles a conscientização sobre a questão da mobilidade e a promoção de atividades educativas. Então só com essa lei já teríamos muito o que fazer. BH vem sendo feita para o carro que leva uma pessoa só. Precisamos repensar a mobilidade”, ressaltou.
Planos e infraestrutura
Em 2005, foi criado pela BHTrans o programa Pedala BH, que projetou, para até o ano de 2020, a implantação de pelo menos 400 km de vias para ciclistas na cidade. Atualmente, contudo, a Capital conta com pouco mais de 100 km, entre ciclovias e ciclofaixas. A falta de infraestrutura e consequentemente de segurança também é uma barreira para o uso diário da bike na cidade.
Luana Costa é do Movimento Nossa BH que discute a mobilidade em geral na cidade. A jornalista, que contou ter usado a bicicleta como forma de se libertar, pois era a forma com que podia se deslocar de Venda Nova para outros pontos da capital, ressaltou a importância de se levar a infraestrutura de ciclismo para as regiões periféricas da cidade.
“Nossa cidade é visivelmente marcada por uma questão racial. Sabemos quem ocupa a área central, que são pessoas autodeclaradas brancas, e quem ocupa a área marginal da cidade, que são pessoas autodeclaradas pretas e pardas. E na mobilidade será que levamos em conta os que estão à margem?”, refletiu.
Em 2017, um Grupo de Trabalho (GT) da Câmara Municipal formado por especialistas e técnicos de órgãos do Município e de coletivos da cidade, apresentou ao então prefeito Alexandre Kalil um plano de mobilidade de bicicleta. Composto por mais de cem ações, previstas para serem realizadas até o ano de 2020, o plano contém oito eixos: infraestrutura e circulação; integração modal e bicicletas compartilhadas; comunicação; educação; mobilização; governança; produção de dados; transparência e legislação e financiamento.
Para Amanda Corradi, que integra a BH Em Ciclo e que participou da elaboração do documento, é importante que se faça a revisão do plano e que se coloque em prática as medidas que foram propostas. “Ele (o plano) não é só construção de ciclovias. Tem outros eixos importantes. A comunicação e a educação, por exemplo, são fundamentais para que as pessoas adotem a bicicleta, ainda que não tenha uma ciclofaixa passando na porta da sua casa”, destacou.
Resistência e avanços
Além do desafio da conquista dos recursos, a implantação de novas ciclofaixas na cidade ainda esbarra na falta de apoio de setores que não vêem com bons olhos a abertura de novos caminhos para as bikes. Eveline Trevisan, que é assessora da Sumob, esteve presente no debate desta manhã e contou que recentemente recebeu convite para participar de uma audiência pública para debater a criação da ciclofaixa na Avenida Augusto de Lima, onde comerciantes locais estariam contrários à obra.
Para a assessora, que é servidora concursada da Prefeitura desde 1993, uma mudança cultural substancial só vai ocorrer a partir do momento em que o uso da bicicleta se tornar uma política pública. “Acredito que uma mudança cultural precisa estar na pauta dos gestores municipais. Ainda que tenhamos movimentos pressionando, ela precisa ser uma política pública estabelecida”, afirmou.
Segundo a gestora, embora existam empecilhos, há espaço para avanços. Em 2023 e 2024, a ideia é legitimar as discussões na cidade, formalizando o GT BH Pedala e estruturando o setor dentro da Sumob.
“Vejo mais abertura para debatermos esse tema e já estamos estruturando essa equipe na Sumob. Quando o André Dantas [chefe da Sumob] veio para BH, um dos projetos que conversamos foi o da Afonso Pena (ciclofaixa) que é simbólico, no coração da cidade, como na Avenida Paulista”, destacou.
Além da ciclofaixa na Getúlio Vargas que terá cerca de 1 km, outros 4 km de ciclofaixas devem ser feitos na Afonso Pena, no âmbito do programa Centro de Todo Mundo. Outra forma de trazer o uso da bicicleta para o debate na cidade é inserir pautas no Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Comurb), o que segundo Eveline já está sendo iniciado.
Além disso, a servidora contou que há R$ 15 milhões destinados para a implantação de novas ciclovias e manutenção das que já estão implantadas, e bicicletários devem ser implantados em todas as estações do Move, sendo o primeiro, ainda este ano, na Estação Vilarinho. “No programa Centro de Todo Mundo tivemos a oportunidade de colocar a possibilidade de adotar as ciclovias ou ciclofaixas. A via da Olegario Maciel poderá ser a primeira a ser adotada na cidade”, apontou.
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Cida Falabella lembrou que órgãos importantes como Sudecap, BHTrans e Guarda Municipal foram convidados para o debate, mas que não estiveram presentes. A parlamentar reiterou a necessidade de avanços e disse que novos encontros devem ser feitos para o aprofundamento no tema.