O presidente do Vitória em 2004 —e também hoje em 2021—, Paulo Carneiro, chamou Hélio dos Anjos de lado e questionou o técnico sobre a decisão de promover um certo Givanildo de Souza, 17, para o time profissional. Isso muito antes de o atacante ganhar o apelido de personagem dos quadrinhos, fazer fama pelo Porto, chegar à seleção e hoje ser uma figura dominante pelo Atlético-MG.
A escolha, porém, foi recebida com protestos do dirigente Paulo Carneiro, atual presidente do clube que se via na luta contra o rebaixamento: “O presidente é um cara muito entendido, mas achou que não tinha nada a ver, que era um jogador de linha reta, só pela esquerda, e me perguntou o que eu via nele”, relembra Hélio, em entrevista ao UOL Esporte.
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E o que exatamente o treinador havia enxergado em Hulk, um adolescente paraibano, de Campina Grande, que havia tido uma breve passagem pela base do São Paulo antes de se mudar para Salvador?
Ele me chamou muita atenção pelo potencial de chute, muita força… uma força de adulto. Achei que valia a pena colocá-lo no grupo de cima e foi assim.”
“O time do Vitória sempre teve atacantes leves, e fiquei surpreso com aqueles jogadores muito fortes [Hulk e Bill], com características diferentes do que encontrava lá. Como o Vitória estava cheio de problemas, pensei: ‘Pô, não tenho jogador nessa característica e vou dar uma olhada melhor nele’. Resolvi colocá-lo no grupo de cima.”
Após poucos treinos, Givanildo, ou melhor, o futuro Hulk agradou e foi rapidamente relacionado para jogar profissionalmente.
O Hulk rústico
O responsável pela estreia do atleta na equipe de cima do Leão baiano não abraça plenamente o crédito de ser o técnico que revelou Hulk: “Ele apareceu na hora em que eu estava lá e o que fiz foi aproveitá-lo no grupo de profissionais”. Ainda assim, deixa escapar que, à época, cogitou a ideia de que “dava para perceber que ele seria fora de série”.
Hélio dos Anjos já treinou mais de 20 equipes desde a década de 80, e em 2004 chegava ao Vitória para sua quarta passagem pelo Leão. Logo no primeiro dia, ele foi a um treino das categorias de base e se surpreendeu com Hulk.
A contragosto do dirigente, o então comandante do Vitória colocou o jovem Givanildo no grupo principal, ainda como um ponta-esquerda. O paraibano ainda estava longe de ser um produto acabado. “Ele ainda não era o atacante moderno como é no Atlético e não trabalhava do lado oposto como desenvolveu no Japão e na Europa”, conta.
Pelo Vitória, o atacante, que na base atuava como lateral-esquerdo, fez somente duas partidas —contra o Fluminense e o Internacional— e, devido a problemas financeiros do Leão, deixou o clube rumo ao Japão, onde defenderia o Kawasaki Frontale, o Consadole e o Tokyo Verdy.
Quando o potencial vira
Hulk chegou aos 18 anos ao Japão, e ali ficou de 2005 a 2008. Pelos três clubes em que atuou no país, marcou 74 gols em 110 jogos. “Ele desequilibrou no Japão, que não é um futebol de força, então sobrava lá. A ida ao exterior o fez bem, fez virar esse jogador moderno”, comenta Hélio dos Anjos, que relata que continuou seguindo à distância a carreira do atacante.
Atuando pelo Tokyo Verdy, o jovem de 21 anos despertou o interesse do Porto, clube pelo qual atingiu seus principais títulos: com 78 gols em 170 partidas, faturou quatro vezes o Campeonato Português e a Liga Europa em 2011, além de outras seis taças domésticas.
“Foi onde ele se desenvolveu mesmo para ser um fora de série, um jogador internacional. O desenvolvimento dele no Porto aconteceu por jogar do lado oposto, sendo mais agressivo. Ali ele passou a usar muito mais o chute forte que tem”, avalia.
“Ele já não era mais aquele Hulk, que o presidente falava que era um ‘linha reta’. Ele potencializou coisas que não tinha no início: a mobilidade, o domínio e entendimento de jogo, chutar com a perna direita, e essa evolução dá condições de ser o jogador que é hoje”.
Já como um dos destaques do futebol europeu e recorrente convocado à seleção brasileira, com uma medalha de prata na Olimpíada de 2012, em Londres, o dono da potente canhota fechou com o Zenit. Na Rússia, as estatísticas do atacante foram bastante similares às apresentadas em Portugal, balançando as redes 77 vezes em 148 jogos, com mais três troféus para a conta.
Durante os quatro anos em que esteve no clube de São Petersburgo, Hulk também ganhou a Copa das Confederações de 2013 com a camisa verde-amarela e participou das campanhas da Copa do Mundo de 2014 e da Copa América Centenário, em 2016.
Após a vitória passagem pela Europa, o já experiente atleta voltou à Ásia para atuar pelo Shanghai SIPG, da China. Lá, conquistou o Campeonato Chinês de 2018, desbancando o então heptacampeão Guangzhou Evergrande, e a Supercopa da China no ano seguinte. Outra vez, ele repetiu a média de gols de suas duas equipes anteriores: 77 em 145 jogos.
Uma temporada esmagadora
Aos 35 anos, Hulk vive grande fase em sua primeira temporada pelo Atlético-MG, com 18 gols e 11 assistências em 41 partidas. O agora centroavante, que já foi lateral-esquerdo e ponta pelos dois lados, já garantiu o Campeonato Mineiro e está na briga pelo Brasileirão e pela Copa Libertadores.
Para Hélio dos Anjos, a competência de manter o excelente nível e a força física mesmo com uma idade avançada é toda do atleta.
“Isso é evolução dele, no aspecto técnico e tático. A versatilidade é só porque cresceu muito ao longo dos anos. E é difícil se manter por tanto tempo nesse nível de força, uma das valências que os jogadores perdem mais rápido. Quando eu o peguei, era um canhoto nato. Mas hoje, tecnicamente, é um ambidestro. Não ficou somente na principal virtude”, elogia.
Perguntado sobre se sentir orgulhoso de ter lançado o atleta ao futebol profissional e vê-lo alcançar campanhas gloriosas com diferentes camisas, Hélio tira de si o mérito pelo surgimento do craque.
“O orgulho maior que não é de um dia ter dado oportunidade, é de o jogador ter aproveitado a oportunidade. Na mão da gente passa muita coisa boa, mas tem muitos que não aproveitam. O bom dele foi isso: ele aproveitou o potencial dele, cresceu muito e hoje é o que é”, afirma o treinador, que conclui:
“Enalteço o atleta, e o orgulho é de ver que ele progredir a ponto de ser um jogador fora de série do futebol mundial.”