A Europa sofreu recentemente uma forte onda de calor, enquanto a América do Sul registrou temperaturas mínimas recordes. Até que ponto o aquecimento global impulsiona esses eventos?
No final de junho e início de julho, uma onda de calor varreu a Europa, ocasionando temperaturas de mais de 40º C em muitos países.
O calor sufocante forçou o fechamento de escolas, provocou proibições de atividades ao ar livre na maior parte da Itália e criou condições quentes e secas que alimentaram incêndios florestais em vários países. O Serviço para a Mudança Climática Copernicus (CCCS) da Comissão Europeia, afirmou que o mês de junho foi o mais quente já registrado na Europa Ocidental.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, Argentina, Chile e Uruguai lutavam contra uma rara onda de frio polar.
Condições mais frias não são incomuns no inverno do Hemisfério Sul, que podem ocorrer de junho a setembro. Mas, no último dia de junho, tanto o Chile quanto a Argentina foram classificados como os lugares mais frios do planeta fora das regiões polares. O sul e o centro da Argentina registraram temperaturas entre 10º C e 15º C abaixo da média sazonal.
Buenos Aires registrou as temperaturas mais baixas desde 1991 e, pela primeira vez em uma década, a neve cobriu locais incomuns, incluindo o Deserto do Atacama, conhecido como o lugar mais seco do planeta fora dos polos.
De acordo com os serviços meteorológicos da região, muitas estações de monitoramento do clima registraram novos recordes, com algumas temperaturas abaixo de -15º C. Os governos foram forçados a restringir o fornecimento de gás, após a demanda de eletricidade resultar em quedas no fornecimento, e a transferir moradores de rua para abrigos de emergência.
O que está por trás dos extremos?
A onda de frio no sul da América do Sul foi causada pelo que é conhecido como um poderoso anticiclone de origem polar.
“O que aconteceu no Chile e no Cone Sul em geral foi uma onda de frio causada pelo escape de uma massa de ar polar da Antártida”, disse o climatologista Raúl Cordero, da Universidade de Santiago.
Outro meteorologista afirmou que a raridade do evento nesta região torna difícil descartar a possibilidade de a onda de frio estar relacionada às mudanças climáticas.
Alguns pesquisadores propuseram que o aquecimento do Ártico poderia perturbar os padrões de circulação atmosférica, levando à saída de ar polar frio para fora das regiões. No entanto, muitos climatologistas argumentam que as ondas de frio extremo em regiões temperadas vêm diminuindo em um mundo em aquecimento e perdendo intensidade e frequência nas últimas décadas.
“Cúpula de calor” na Europa
As temperaturas escaldantes na Europa, no entanto, foram alimentadas pelo surgimento de uma “cúpula de calor”, um fenômeno meteorológico em que a alta pressão mantém o ar seco e quente sobre uma região por um longo período de tempo.
John Marsham, copresidente do Met Office, o serviço meteorológico do Reino Unido, na Universidade de Leeds, disse que o papel das mudanças climáticas nas altas temperaturas recentes na Europa é absolutamente certo.
“Uma das marcas mais fortes das mudanças climáticas é o aumento dos extremos, e isso é particularmente verdadeiro para ondas de calor e extremos de temperatura”, disse Marsham.
Acredita-se que as mudanças climáticas triplicaram o número de mortes relacionadas às altas temperaturas na recente onda de calor europeia, de acordo com um estudo liderado por cientistas do Imperial College de Londres e da Faculdade de Medicina Tropical de Londres.
“Ondas de calor não deixam rastro de destruição”
O estudo estima que a queima de combustíveis fósseis aumentou as temperaturas durante a onda de calor em até 4° C em 12 cidades europeias, elevando em 1.500 o número esperado de mortes por calor.
“Ondas de calor não deixam um rastro de destruição como incêndios florestais ou tempestades”, disse Ben Clarke, pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College. “Seus impactos são, em sua maioria, invisíveis, mas silenciosamente devastadores. Uma mudança de apenas 2º C ou 3° C pode significar a diferença entre a vida e a morte de milhares de pessoas.”
O serviço Copernicus afirmou que, durante a onda de calor, grandes partes do sul da Europa tiveram um número excepcionalmente alto de “noites tropicais”, nas quais as temperaturas permanecem acima de 20° C. Isso pode representar um risco à saúde, pois impede que o corpo se recupere do calor diurno.
No futuro, a Europa certamente atravessará ondas de calor mais intensas e em maior número, disse Lara Wallberg, climatologista do Instituto Max Planck de Meteorologia em Hamburgo, na Alemanha. “Extremos de calor, que hoje são eventos raros, podem se tornar muito, muito comuns no final do século. Assim, acho que nossa impressão sobre o que é um extremo também pode mudar.”
E os outros tipos de clima extremo?
Não se trata apenas de ondas de calor. As mudanças climáticas potencializam eventos climáticos extremos, como inundações, secas e tempestades, tornando-os mais frequentes e intensos.
Uma pequena mudança nas temperaturas médias globais pode levar a um grande aumento nos extremos, disse Marsham. Ele diz acreditar que as mudanças climáticas tenham tido influência nas graves inundações no estado americano do Texas no último fim de semana, que causaram mais de 100 mortes, com muitas pessoas ainda desaparecidas.
Um estudo de 2024 afirmou que a intensidade da precipitação extrema no Texas deve aumentar 10% até 2036. Embora criar modelos de padrões de precipitação seja complexo, esse processo tem um princípio físico subjacente claro: o ar quente retém mais umidade.
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudança no Clima (IPCC), com um aquecimento de 2º C acima dos níveis pré-industriais, o que seria um evento de chuva a cada 10 anos ocorrerá 1,7 vezes por década, sendo14% mais úmido.
“Sociedade não age com o devido alerta”
“Acho muito importante que as pessoas entendam que este não é o novo normal. Vai continuar piorando até que eliminemos os combustíveis fósseis e cheguemos à meta de emissões zero”, disse Marsham. “Temos que nos preparar para eventos sem precedentes.”
Apesar da crescente ameaça de eventos climáticos extremos, a sociedade não age com o devido nível de alerta, advertiu Michael Oppenheimer, cientista climático da Universidade de Princeton. “Há muitas evidências de que ficamos sentados sem fazer absolutamente nada enquanto esses riscos vêm em nossa direção como um trem em movimento enquanto estamos parados nos trilhos. E então, de repente, ‘bum’.”
Com informações do Portal DW