Em 23 de janeiro de 2020, por preocupação com o avanço da Covid-19, a Prefeitura de Rio Claro constatou e formalizou a necessidade de requisição de equipamentos de segurança para profissionais de saúde. Apesar da urgência do pedido, a compra dos materiais hospitalares só foi firmada, mais de três meses depois, em um contrato no valor de R$ 3,956 milhões. Para o Ministério Público de Contas do estado de São Paulo (MPC-SP) há indícios de ilegalidades por conta do tamanho e histórico da empresa, além das condições socioeconômicas de seu sócio-proprietário que trabalhou como copeiro e pediu auxílio-emergencial.
No contrato, ficaram acertadas as entregas de 350 mil máscaras de tripla camada, 100 mil máscaras N95, 20 mil aventais descartáveis, mil óculos de segurança, mil macacões de proteção e 20 mil toucas descartáveis. Das quatro empresas com orçamento solicitado pela Prefeitura, os e-mails encaminhados para apuração do Núcleo de Apoio Técnico do MPC-SP, uma constava como suspensa, desde 2013, e a outra estava inapta para funcionar, desde 2018.
O microempresário contratado com dispensa de licitação se declarou à Junta Comercial, para a abertura da empresa individual, que esta ostentaria o capital social de R$ 200 mil. Porém, as investigações do MP de Contas, há um provável crime de falsidade ideológica na afirmação de integralização desse montante no capital da empresa. “Pelos elementos de prova a respeito das condições. Ele não teria condições de fazer um aporte financeiro para montar essa empresa. Um pouquinho da empresa dele receber o primeiro pagamento da prefeitura, ele tinha solicitado e recebeu o auxílio emergencial do Governo Federal, o que mostra a incompatibilidade dele e a grandeza do contrato”, procurador José Mendes Neto.
Segundo representação enviada ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), a empresa foi inscrita no CNPJ ainda no dia 14 de fevereiro deste ano, ou seja, menos de três meses antes da assinatura do contrato com a Prefeitura da cidade do interior paulista. “Os fornecimentos foram desmembrados em dois lotes, emitindo-se as notas fiscais 000.000.003, em 30.04.2020, e 000.000.005 em 18.05.2020, cujas numerações claramente confirmam uma atividade empresarial incipiente. Aliás, entre a constituição da empresa e o negócio em exame, teriam sido efetuadas tão só duas outras vendas pela Maurício Silva Sousa – ME”, diz o documento.
Para Mendes, entre a constatação da demanda e a assinatura do contrato, transcorreu tempo mais do que suficiente para adoção de um processo licitatório. “O pregão é procedimento muito rápido para objetos comuns como esses, que podem ser facilmente descritos em um edital de licitação. Então, como que é que vai dizer que não teve tempo de fazer licitação? E a prefeitura vai ter que esclarecer como que chegou a essa empresa sem qualquer tradição de mercado ou contratos com o poder público, instalada em uma mera sala comercial e constituída a menos de três meses.
Além dos indícios de ilicitudes, ao examinar os itens de maior expressão monetária no contrato, o MPC-SP constatou um sobrepreço ao comparar esses produtos com orçamentos selecionados no Sistema de Auditoria Eletrônica do TCE-SP. “A Municipalidade de Rio Claro pagou R$ 3,50 por máscara de tripla camada, enquanto o seu valor médio apurado foi de R$ 2,60 (na amostra, aliás, o menor preço encontrado foi de R$ 1,80). Por sua vez, a máscara PFF2/N95 custou R$ 22,90 aos cofres de Rio Claro, ao passo em que o preço médio desse produto correspondia a R$ 17,30, tendo se identificado até mesmo aquisições por R$ 13,00”, mostra o documento.
Procurado pela CNN, Maurício Silva Souza admite que assumiu a empresa, a pedido de seu chefe, Wilson da Silva Cleto, há quatro meses. “O dono da loja, estava com a loja no nome da filha dele. Aí, brigou com a filha dele e a filha pediu para tirar o nome dela. Ele estava com o nome sujo e a mulher dele estava com o nome sujo e eu estava com o nome limpo. Por isso ele me pediu para eu tirar o CNPJ pro meu nome até ele regularizar a situação dele. E eu falei que tudo bem. Eu só emprestei o meu nome pra ele, porque se não ia fechar a empresa e eu ia ficar desempregado e o meu filho tinha acabado de nascer na época. Eu só sou apenas funcionário dele”, diz.
Ele diz não saber de nenhum contrato de sua empresa com a Prefeitura de Rio Claro e que iria na delegacia registrar um Boletim de Ocorrência para que apurem o uso de seus dados pessoais. “O cliente liga na loja, pede o produto e eu sou o funcionário que vou lá e levo. Para você ter uma ideia, eu estou levando um algodão agora para um cliente. Sabe o valor do algodão? R$ 12,50. Eu não sei se o meu chefe fez maracutaia por fora, usando o meu nome, porque eu desconheço esse contrato”.
Em uma proposta comercial enviada pela empresa ao Departamento Administrativo Geral de Compras do Município de Rio Claro, datada no dia 23 de abril, há uma assinatura como sendo de Mauricio Silva Sousa. “Ou assinatura do Maurício foi falsificada no contrato ou ele, de fato, assinou o contrato. Agora cabe ao Tribunal de Contas fazer uma diligência fiscalizatória examinando todos os documentos referentes a essa contratação. E, posteriormente, o Ministério Público do Estado vai ter que investigar o destino destino desse dinheiro transferido pela Prefeitura, para essa empresa”, explicou o procurador.
Em nota, a Central de Compras da Prefeitura de Rio Claro diz que a compra foi feita com dispensa de licitação, amparada nos decretos municipal, estadual e da União de calamidade pública, os quais autorizam tal procedimento por conta da pandemia e da urgência da compra. Informa também que a referida empresa estava apta a participar da compra e lembra que o município não tem acesso às questões pessoais de eventuais fornecedores. Esclarece ainda que a empresa cumpriu seu compromisso entregando os produtos especificados dentro do prazo.
Wilson não foi localizado pela reportagem.