Lei que veta prisão de gestantes e mães de crianças é descumprida no RJ

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A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por
crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar”, determinou
a lei 13.769, sancionada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB) em dezembro do ano
passado.
A determinação impõe duas ressalvas —a mulher não pode ter cometido o crime com
uso de violência ou grave ameaça e nem contra seu filho ou dependente.
Na Central de Audiência de Custódia de Benfica, única na cidade do Rio de Janeiro, a lei
foi descumprida pelo menos 45 vezes entre agosto de 2018 e janeiro de 2019. O
levantamento foi realizado pela Defensoria Pública do estado do Rio.
A Defensoria identificou 161 mulheres que preenchiam todos os requisitos para o veto à
prisão preventiva (gestantes ou mães de crianças, que cometeram crimes sem
violência).
Ainda assim, 45, ou 28%, foram mantidas presas preventivamente após a audiência de
custódia. Outras 100 foram colocadas em liberdade provisória e a 16 foi imposta a prisão
domiciliar.
Em um dos casos, o juiz defendeu a manutenção da prisão afirmando que as crianças
que residiam com a mulher corriam muito mais risco com a sua liberdade do que com o
seu afastamento.
Em outra situação, o magistrado afirmou: “Veja que embora ela tenha filhos menores de
12 anos, certo é que tudo leva a crer que no dia dos fatos não estava dispensando os
cuidados aos filhos, ainda mais porque nem sequer estava em casa”.
A defensora Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiência de Custódia da
Defensoria, diz que decisões como essas chamaram a atenção pela subjetividade e pelo
julgamento moral.

“Não tem nada de concreto na comunicação da prisão, nenhum estudo de assistente
social ou órgão acompanhando aquela família. Com base no relato apenas dos policiais,
o juiz faz julgamento moral daquela mulher”, afirma.
Durante o período analisado, a lei pode ter sido descumprida mais do que 45 vezes —o
órgão não conseguiu detalhar os crimes e o perfil de todas as 556 mulheres que
passaram pela Central nos meses contemplados pela pesquisa. A Defensoria teve acesso
ao formulário com a listagem dos crimes cometidos por 347 delas.
Entre essas, algumas protegidas pela lei 13.769 e outras, não, 74% se identificam como
pretas e pardas. A maior parte foi presa por crimes relacionados à Lei de Drogas (132)
ou por furto (118).
A lei que está sendo desrespeitada foi aprovada na esteira de decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal) de fevereiro de 2018, que concedeu habeas corpus coletivo a todas as
mulheres gestantes ou mães de crianças com até 12 anos, submetidas à prisão cautelar
em território nacional.
Em seu voto, o ministro Ricardo Lewandowski reconheceu que as mulheres
experimentam situações degradantes no sistema prisional, privadas de cuidados
médicos pré-natal e pós-parto, com prejuízo para as crianças.
O ministro discorreu sobre uma “cultura do encarceramento” que se revela na imposição
exagerada de prisões provisórias a “mulheres pobres e vulneráveis”.
“Tal decorre (…) seja por um proceder mecânico, automatizado, de certos magistrados,
assoberbados pelo excesso de trabalho, seja por uma interpretação acrítica, matizada
por um ultrapassado viés punitivista (…), cujo resultado leva a situações que ferem a
dignidade humana de gestantes e mães submetidas a uma situação carcerária
degradante, com evidentes prejuízos para as respectivas crianças”, afirmou.
A partir do relatório, a Defensoria pediu ao STF a concessão da prisão domiciliar a 20
mulheres, mães de menores de 12 anos, que permanecem encarceradas. Elas estão entre
as 45 citadas pela pesquisa —as demais já foram soltas após a custódia, por juízes da
instrução, do Tribunal de Justiça do estado ou do Superior Tribunal de Justiça, que
acataram recursos da Defensoria.
O órgão também sugeriu investimento em cursos de capacitação para os juízes criminais
e de audiências de custódia sobre temas relativos ao aprisionamento feminino e
questões de gênero e raça.
A defensora Tassara diz que o principal objetivo do relatório é enxergar quem são as
pessoas vulneráveis ao sistema de Justiça criminal —em geral mulheres pretas ou
pardas, de baixa escolaridade e de baixa renda.
“Não tem nenhuma mulher presa com domicílio na zona sul ou Barra da Tijuca. Isso
significa que não existam? Claro que não. Mas por que uma mulher de Bangu é mais
vulnerável ao sistema do que uma que mora em Ipanema?”
As informações são do portal UOL

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