Macron deveria cuidar de sua própria casa, diz cientista político

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PARIS – O presidente da França, Emmanuel Macron, resvala na hipocrisia ao atacar a política ambiental do governo Jair Bolsonaro, já que o país europeu não cumpre vários compromissos listados no Acordo de Paris sobre a mudança climática.

O cientista político Olivier Dabène, professor da Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris), diz que o embate dos últimos dias entre Paris e Brasília ofereceu um “bálsamo fantástico” ao líder francês.

“Bolsonaro lhe foi muito útil. É um alvo fácil, tem um quê de palhaço imprevisível, é alguém que vai retrucar uma provocação com virulência, com uma provocação maior ainda”, afirma o pesquisador, que também é presidente do Observatório Político da América Latina e do Caribe.

Outra prova dessa hipocrisia de Macron, diz o professor, é o fato que Paris segue distribuindo licenças para mineradoras atuarem na faixa da Amazônia situada na Guiana Francesa.

Nesse sentido, prossegue Dabène, centrar fogo no presidente brasileiro permite a Macron desviar a atenção da opinião pública da França, “onde as coisas não vão exatamente bem no país”.

Para o professor, “um mínimo de respeito à soberania brasileira deveria impedir que se debatesse a internacionalização da floresta”, ainda mais considerando que Brasília não estava na lista de participantes da cúpula do G7 (clube de países ricos), em que a ideia foi aventada. “Isso é ridículo, denota desprezo por um Estado que não seria capaz de proteger sua floresta.”

Esta é a pior crise diplomática da história das relações entre Brasil e França?

Sim, pelo menos nas últimas décadas. Historicamente, as relações bilaterais são boas, posso até dizer ótimas. Então [a animosidade] choca um pouco. Não são dois países que tenham o hábito de se confrontar assim. Houve um estremecimento quando os franceses tentaram libertar [a então senadora e candidata à Presidência da Colômbia] Íngrid Betancourt [refém das Farc de 2002 a 2008]. Ocorreu uma violação do espaço aéreo brasileiro que suscitou uma crise curta.

Mas não devemos exagerar o alcance do embate atual. Não me parece tão grave assim. Vivemos uma época em que, inspirados por Donald Trump, os políticos deixaram de lado os discursos meramente retóricos e se divertem tentando ser “sinceros”, quando não insultando.

Trata-se então de um conflito desenhado para as câmeras e para as plateias internas de cada presidente?

Sim, ainda que haja diferenças entre as posturas dos dois. Bolsonaro é o arquétipo do dirigente que fez uma campanha populista, em cima de declarações improvisadas que viraram uma arma eleitoral bem-sucedida. Agora, leva essa franqueza populista à política externa de seu país.

Já Macron precisava de um G7 que tivesse repercussão, ainda que ninguém esperasse muita coisa dessa cúpula. A expectativa era apenas a de que os outros líderes tentassem não irritar muito Trump. Mas ele [o francês] tinha em mente uma diplomacia retumbante, feita de lances vistosos e jogadas audaciosas.

Desse ponto de vista, os incêndios na Amazônia representaram um bálsamo fantástico para Macron, e ele soube se aproveitar disso. Bolsonaro lhe foi muito útil. É um alvo fácil, tem um quê de palhaço imprevisível, é alguém que vai retrucar uma provocação com virulência, com uma provocação maior ainda…

Resta a ver o efeito disso sobre a opinião pública na França, em um momento no qual as coisas não vão exatamente bem no país. Então Bolsonaro tem alguma razão ao dizer que Macron instrumentalizou um problema interno do Brasil, quis tirar proveito dele?

Sim, isso me parece claro. Os dois jogaram o mesmo jogo: fizeram política interna com diplomacia. É claro que o conflito não foi inventado do nada, que há um problema de fundo: o respeito a compromissos ambientais, ao Acordo de Paris sobre a mudança climática. Mas os brasileiros têm razão em dizer que os franceses não respeitam seus próprios engajamentos e que apontar o dedo para o Brasil ajuda a desviar o foco disso.

E como o sr. vê o comentário do presidente brasileiro sobre a “mentalidade colonialista” de Macron ao falar em “crise internacional” na Amazônia?

Quando Bolsonaro faz isso, rejeita novamente a linguagem moderada dos governantes. Mas não está totalmente errado. A atitude do G7 de dar lições a um país que não foi convidado à mesa de discussão é inapropriada.

A soberania e o anticolonialismo são ideias sempre associadas à floresta amazônica. Trata-se de um tema sensível, o que os franceses às vezes não percebem. Para o Brasil, falar em bem comum da humanidade [referindo-se à Amazônia] não faz sentido. Entendo o choque de algumas pessoas.

Um mínimo de respeito à soberania brasileira deveria impedir que se debatesse a internacionalização da floresta. O Brasil não é o Polo Sul; ninguém vai recortar a Amazônia em zonas pequenas controladas por países estrangeiros. Isso é ridículo, denota certo desprezo por um Estado que não seria capaz de proteger sua floresta.

Para a França, é muito mais fácil criticar o Brasil –e ainda mais o Brasil de Bolsonaro— do que a China e os Estados Unidos. Ou mesmo a Alemanha, grande poluidora com carvão.

O fato de a Amazônia não ter sido mencionada no documento final da cúpula do G7 foi tido pelo Itamaraty como uma vitória brasileira. É possível fazer essa leitura?

Até se pode pensar assim, mas Macron também já teve uma vitória ao atrelar a Amazônia à ratificação ou não do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul.

Macron deveria palpitar sobre gestão florestal no Brasil quando a preservação da parte da Amazônia situada na Guiana Francesa é contestada, sobretudo devido à proliferação do garimpo ilegal?
Exato. Esse é um dos temas em que a atuação da França é muito criticável, e Macron sabe disso. Então é prático desviar a atenção para a Amazônia brasileira, enquanto ativistas protestam contra as licenças dadas a mineradoras e atividades extrativistas muito poluentes. É hipocrisia.

Passada a briga de agora, qual será o futuro das relações entre França e Brasil?
Não estamos longe de uma tempestade em copo d’água [nesse episódio da Amazônia]. Não acho que as relações serão afetadas por muito tempo. Deve haver um apaziguamento rápido.

No que diz respeito à ratificação do acordo, Macron não tem interesse em manter longamente seu veto, porque isso o isolaria na Europa, e ele tem a ambição de encarnar o futuro do continente, seu renascimento. Não acho que esteja disposto a pagar esse preço. E acho que alguns diplomatas brasileiros sabem disso.

OLIVIER DABÈNE, 60
Professor de ciência política na Sciences Po (Instituto de Estudos Políticos de Paris) preside, na mesma instituição, o Observatório Político da América Latina e do Caribe. Autor de Atlas du Brésil (2013), já foi pesquisador visitante na USP, na Universidade Oxford e na Universidade do Texas, entre outras.
Com informações do Portal UOL

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